sábado, agosto 09, 2014

O LAMENTÁVEL EXPEDIENTE DA GUERRA



O LAMENTÁVEL EXPEDIENTE DA GUERRA

Luiz Alberto Machado

Agora, falando sério: estamos novamente em pé de guerra! Aliás, estamos sempre mesmo no centro de uma terrível guerra. Todo dia e o dia todo. E mais: lívidos, transidos de pavor e com o coração na mão.

Por que será que vez ou outra, ou melhor, quase sempre explode uma guerra aqui e acolá? Egoísmo, interesses, poder pelo poder, a satisfação de forjar intriga, desavença, dissensões... malgrado convenções e tratados internacionais de paz, malgrado as sanções regendo condutas e tudo o que se possa imaginar para coibir o que se entende por maldade.

Indubitavelmente é o paradoxo do gigantesco aparato da ordem produzindo a parafernália caótica da desordem. Acredite se quiser.

O anseio pela paz nos faz mergulhar num caleidoscópio no qual todas as agressões e vinditas, todos os sanguinolentos conflitos desde as campanhas do império assírio e neobabilônico, as greco-persas, as de Alexandre Magno, as púnicas, as do império romano, as invasões bárbaras e árabes, as cruzadas, as do império otomano, as dos sete, dos trinta e dos cem anos; mais os sangreiros de todas as revoluções, a mortandade da primeira e segunda grandes guerras mundiais, e as muitas que se fizeram e fazem eclodir depois da Organização das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como as do Vietnam, do golfo, a balcânica, a contra o terrorismo, fora as de sobrevivência na África e de outras regiões em conflitos eternos.

Parece-me, depois de tudo isso, que em nenhum momento a humanidade realmente teve oportunidade de viver em paz. Há sempre o estrépito de um conflito aqui ou ali, litígios alhures e por ai, hostilidades que suplantam a racionalidade no planeta. E que tanto nos campos de batalhas, como no trânsito, nas esquinas, no âmago de gente ofendida e infeliz.

Cá para nós, esses sangrentos ocorridos, principalmente os que se deram depois da última grande guerra até hoje, como também os do cotidiano de nossas cidades que alimentam a imprensa sensacionalista no fabrico do temor, só invalidam todas as tentativas de respeito ao ser humano e à construção de um mundo melhor e mais justo para todos.

Dá pra indagar: afinal, qual é mesmo o papel das Nações Unidas, hem? Pra que serve mesmo o calhamaço de leis de um código penal com todas as punições previstas?

O desapontamento com o desvario humano levara, por exemplo, Adorno a mencionar que não poderia haver mais poesia depois de Auschwitz. Realmente, um lamentável episódio na página da tragédia humana.

Não só esse, como muitos e tantos outros registrados na crônica do inventário humano diariamente. E isto torna quase desnecessário dizer, para nossa maior incredulidade, que entre os outros animais, quase nunca o confronto aberto conduz à morte do opositor da mesma espécie, excetuando-se, evidentemente, aqueles submetidos à domesticação humana, fabricados para briga e ataque, deixando-nos, enfim, parecer que a exclusividade à beligerância é do racional. O que nos deixa antever a iminente agressão violenta, tornando-nos todos prisioneiros acorrentados a um barril de pólvora que anuncia sempre a guerra mais letal a todo instante e por toda vida.

Dá-me sempre a impressão de que quando pensamos que tudo está em ordem, o obscurantismo triunfa e o postulado de Sun Tzu está cada dia mais que vigente nesse tempo de desenfreada competição globalizada. Competir e vencer, um reducionismo para lá de canhestra, trazendo a triste demonstração de que essa é a única e exclusiva razão da vida para muitos ou quase todos. É só pé no pescoço, língua de fora; do gogó pra baixo, tudo é perna: arreia a lenha! Livra só a cara pra mode a gente ver só a careta! Esse o triste sisifismo humano.

Remontando no tempo, Montaigne revelava que “o crime nivela os cúmplices” porque todos aqueles que são tão sequiosos de glória e que, por incompetência própria atribuída como culpa alheia, por não terem conseguido o prazer da masturbação em glorificar-se a si próprio sobre outrem, se voltam para alcançá-la a qualquer preço.

Hobbes assinalou que o homem é mau e corrupto ao justificar que “a competição pela riqueza, a honra, o mundo e outros poderes levam à luta, à inimizade e à guerra [...] porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo consiste em matar, subjugar ou repelir o outro”. E arremata: “[...] onde não há propriedade não pode haver injustiça”. Esse o preço da acumulação.

Também Locke adverte: “não haveria afronta se não houvesse a propriedade”. É o que nos deixa por conclusão a História da riqueza do homem, de Leo Huberman.

Não foi menor a indignação de Rousseau ao admitir que a capacidade humana chega ao cúmulo da autodestruição, porque “só o homem é suscetível de tornar-se imbecil [...] a ambição devoradora, o ardor de elevar sua fortuna relativa, menos por verdadeira necessidade do que para colocar-se acima dos outros, inspira a todos os homens uma negra tendência a prejudicar-se mutuamente”.

E Bergson, ao testemunhar os horrores da primeira guerra mundial, percebeu: “Hecatombes inauditas, precedidas dos piores suplícios, houveram ordenadas com inteiro sangue-frio [...] é curioso ver como os sofrimentos da guerra se esquecera depressa durante a paz [...] só que a guerra é feita com as armas forjadas por nossa civilização e o morticínio é um horror que os antigos não poderiam jamais imaginar”. E depois, a segunda guerra... as armas... apenas menção: às armas! Pronto, o foguetório não é mais de festa, é danação. Não se pode mais dizer: viva São João! Só: Valha-me, Deus!

Foi Camus quem disse: “a vida vale a morte; o homem é a madeira da qual se fazem as fogueiras [...] A própria guerra tem suas virtudes [...] porque existem imbecis desenfreados, que matam por dinheiro ou por honra [...] Ninguém pode ser feliz, sem fazer mal aos outros. É a justiça desta terra”. E isso no conluio das relações diárias entre os dos grupelhos do Bolinha ou da Luluzinha, as excludentes e balcanizadas relações de competição entre uns e todos entre si no lar, no trabalho, nas torcidas do futebol, nas amizades, no bar e nas ruas.

Constatação lamentável essa que foi decifrada por Edgar Morin: ainda estamos na idade da pedra do conhecimento. E mergulhados numa repetitiva barbárie, sempre transitando no centro dos conflitos, dos antagonismos agressivos, das perversidades, da violência levada a extremos.

Resta-nos, de verdade, a dor da amargura e o repúdio à indiferença, valendo-nos de quase nada, apenas apostar na sensibilidade e solidariedade humanas para a paz e na construção de um mundo melhor pelo direito de viver e deixar viver.


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