O LAMENTÁVEL EXPEDIENTE DA GUERRA
Luiz Alberto Machado
Agora,
falando sério: estamos novamente em pé de guerra! Aliás, estamos sempre mesmo
no centro de uma terrível guerra. Todo dia e o dia todo. E mais: lívidos,
transidos de pavor e com o coração na mão.
Por
que será que vez ou outra, ou melhor, quase sempre explode uma guerra aqui e acolá?
Egoísmo, interesses, poder pelo poder, a satisfação de forjar intriga,
desavença, dissensões... malgrado convenções e tratados internacionais de paz,
malgrado as sanções regendo condutas e tudo o que se possa imaginar para coibir
o que se entende por maldade.
Indubitavelmente
é o paradoxo do gigantesco aparato da ordem produzindo a parafernália caótica
da desordem. Acredite se quiser.
O
anseio pela paz nos faz mergulhar num caleidoscópio no qual todas as agressões
e vinditas, todos os sanguinolentos conflitos desde as campanhas do império
assírio e neobabilônico, as greco-persas, as de Alexandre Magno, as púnicas, as
do império romano, as invasões bárbaras e árabes, as cruzadas, as do império
otomano, as dos sete, dos trinta e dos cem anos; mais os sangreiros de todas as
revoluções, a mortandade da primeira e segunda grandes guerras mundiais, e as
muitas que se fizeram e fazem eclodir depois da Organização das Nações Unidas e
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como as do Vietnam, do golfo, a
balcânica, a contra o terrorismo, fora as de sobrevivência na África e de
outras regiões em conflitos eternos.
Parece-me,
depois de tudo isso, que em nenhum momento a humanidade realmente teve
oportunidade de viver em paz. Há sempre o estrépito de um conflito aqui ou ali,
litígios alhures e por ai, hostilidades que suplantam a racionalidade no
planeta. E que tanto nos campos de batalhas, como no trânsito, nas esquinas, no
âmago de gente ofendida e infeliz.
Cá
para nós, esses sangrentos ocorridos, principalmente os que se deram depois da
última grande guerra até hoje, como também os do cotidiano de nossas cidades que
alimentam a imprensa sensacionalista no fabrico do temor, só invalidam todas as
tentativas de respeito ao ser humano e à construção de um mundo melhor e mais
justo para todos.
Dá
pra indagar: afinal, qual é mesmo o papel das Nações Unidas, hem? Pra que serve
mesmo o calhamaço de leis de um código penal com todas as punições previstas?
O
desapontamento com o desvario humano levara, por exemplo, Adorno a mencionar
que não poderia haver mais poesia depois de Auschwitz. Realmente, um lamentável
episódio na página da tragédia humana.
Não
só esse, como muitos e tantos outros registrados na crônica do inventário
humano diariamente. E isto torna quase desnecessário dizer, para nossa maior
incredulidade, que entre os outros animais, quase nunca o confronto aberto
conduz à morte do opositor da mesma espécie, excetuando-se, evidentemente,
aqueles submetidos à domesticação humana, fabricados para briga e ataque,
deixando-nos, enfim, parecer que a exclusividade à beligerância é do racional. O
que nos deixa antever a iminente agressão violenta, tornando-nos todos
prisioneiros acorrentados a um barril de pólvora que anuncia sempre a guerra mais
letal a todo instante e por toda vida.
Dá-me
sempre a impressão de que quando pensamos que tudo está em ordem, o
obscurantismo triunfa e o postulado de Sun Tzu está cada dia mais que vigente
nesse tempo de desenfreada competição globalizada. Competir e vencer, um
reducionismo para lá de canhestra, trazendo a triste demonstração de que essa é
a única e exclusiva razão da vida para muitos ou quase todos. É só pé no
pescoço, língua de fora; do gogó pra baixo, tudo é perna: arreia a lenha! Livra
só a cara pra mode a gente ver só a careta! Esse o triste sisifismo humano.
Remontando
no tempo, Montaigne revelava que “o crime nivela os cúmplices” porque todos aqueles
que são tão sequiosos de glória e que, por incompetência própria atribuída como
culpa alheia, por não terem conseguido o prazer da masturbação em glorificar-se
a si próprio sobre outrem, se voltam para alcançá-la a qualquer preço.
Hobbes
assinalou que o homem é mau e corrupto ao justificar que “a competição pela
riqueza, a honra, o mundo e outros poderes levam à luta, à inimizade e à guerra
[...] porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo
consiste em matar, subjugar ou repelir o outro”. E arremata: “[...] onde não há
propriedade não pode haver injustiça”. Esse o preço da acumulação.
Também
Locke adverte: “não haveria afronta se não houvesse a propriedade”. É o que nos
deixa por conclusão a História da riqueza do homem, de Leo Huberman.
Não
foi menor a indignação de Rousseau ao admitir que a capacidade humana chega ao
cúmulo da autodestruição, porque “só o homem é suscetível de tornar-se imbecil [...]
a ambição devoradora, o ardor de elevar sua fortuna relativa, menos por
verdadeira necessidade do que para colocar-se acima dos outros, inspira a todos
os homens uma negra tendência a prejudicar-se mutuamente”.
E
Bergson, ao testemunhar os horrores da primeira guerra mundial, percebeu:
“Hecatombes inauditas, precedidas dos piores suplícios, houveram ordenadas com
inteiro sangue-frio [...] é curioso ver como os sofrimentos da guerra se
esquecera depressa durante a paz [...] só que a guerra é feita com as armas
forjadas por nossa civilização e o morticínio é um horror que os antigos não
poderiam jamais imaginar”. E depois, a segunda guerra... as armas... apenas
menção: às armas! Pronto, o foguetório não é mais de festa, é danação. Não se
pode mais dizer: viva São João! Só: Valha-me, Deus!
Foi
Camus quem disse: “a vida vale a morte; o homem é a madeira da qual se fazem as
fogueiras [...] A própria guerra tem suas virtudes [...] porque existem imbecis
desenfreados, que matam por dinheiro ou por honra [...] Ninguém pode ser feliz,
sem fazer mal aos outros. É a justiça desta terra”. E isso no conluio das
relações diárias entre os dos grupelhos do Bolinha ou da Luluzinha, as
excludentes e balcanizadas relações de competição entre uns e todos entre si no
lar, no trabalho, nas torcidas do futebol, nas amizades, no bar e nas ruas.
Constatação
lamentável essa que foi decifrada por Edgar Morin: ainda estamos na idade da
pedra do conhecimento. E mergulhados numa repetitiva barbárie, sempre
transitando no centro dos conflitos, dos antagonismos agressivos, das
perversidades, da violência levada a extremos.
Resta-nos,
de verdade, a dor da amargura e o repúdio à indiferença, valendo-nos de quase
nada, apenas apostar na sensibilidade e solidariedade humanas para a paz e na
construção de um mundo melhor pelo direito de viver e deixar viver.
Veja mais sobre:
O Trabalho da Mulher aqui.
E mais:
Saúde da Mulher aqui.
Kid Malvadeza aqui.
Tzvetan Todorov, Oduvaldo Vianna Filho, Os epigramas de Marcial, Jacques
Rivette, Frédéric Chopin & Artur Moreira Lima, Sandro Botticelli, Carmen
Silvia Presotto & Egumbigos no país dos invisíveis aqui.
Antonio Gramsci aqui.
Fecamepa, Psicologia Escolar,
Sonhoterapia, Direito & Família Mutante aqui.
O Monge & o executivo,
Neuropsicologia, Ressocialização Penal &Educação aqui.
Sexualidade na terceira idade aqui.
Homossexualidade e Educação Sexual aqui.
Globalização, Educação & Formação,
Direito Ambiental & Psicologia Escolar aqui.
Federico Garcia Lorca aqui.
Aids & Educação aqui.
Sincretismo Religioso aqui.
Racismo aqui.
Levando os direitos a sério de Ronald
Dworkin aqui.
Ética & moral aqui.
A luta pelo direito de Rudolf Von Ihering
aqui.
Abuso sexual, Sonhos lúcidos,
Antropologia & Psicologia Escolar aqui.
Cândido ou o otimismo de Voltaire aqui.
A liberdade de Espinosa aqui.
Cantarau Tataritaritatá: vamos aprumar a
conversa aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Art by Ísis Nefelibata
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.