domingo, abril 29, 2012

YVES BONNEFOY, BERNARDO SOARES,AMISSO, HANSEN TAMMSAARE, LOTMAN & LITERÓTICA

 


A arte da bailarina, professora e coreógrafa francesa Odile Duboc (1941-2010)

 

 PAS DE DEUX


Luiz Alberto Machado

No palco do meu coração sedento jamais houvera tamanha fascinação, jamais houvera, porque algo mais infrene se fizera aroma de seiva na noite fria de agosto: a presença resplendente do seu corpo de mulher.

Ah, jamais houvera tão irresistível: à meia luz seu jeito maçã desolada, cabeça pendida no ombro da solidão. Na horagá, a minha chegada de sempre: a captura. E franze o rosto, cerra as pálpebras, morde os lábios e estremece suplicante a suspirar o magnetismo do coração que palpita na sintonia que nos impele um ao outro. Nada a deter e o amor embala na rede dos devaneios quando nos píncaros da sedução se insinua num écarté para me provocar com requisições de gracejos acariciantes, a me insultar no entalhe pujante de costas com o pé na barra a dar-me todos os regalos de um ensaio fotográfico particular, ali exclusivo estourando meus sentidos.

Ah jamais houvera e nossos corpos fremem de desejos e já me precipito envolvê-la para o embalo íntimo de um atittude libidinoso, colados um no outro a inalar o incenso dos nossos laços de sentimentos transpassados. Mas judia de mim a rodopiar com seu magnetismo. Rodopia incólume na noite enquanto eu afio os dentes. E rodopia mais o seu bailado sem fim, até que possessa, de repente, me leva ao nocaute num grand decárt sobre meu corpo.

Ah, Cinderela exata do meu tope, Loba certa do meu querer. E eu sou todo delírio nessa festa que jamais houvera. E na agonia dos quereres imponho poder nas minhas mãos que se acercam de sua feição, alisam seu rosto, se apossam de sua feitura para arrancá-la ao beijo, nos enroscando na dança. E aos solavancos murmuramos arrastados pelo tapete de pétalas no assoalho da pulsação vital, atrás da porta, das cortinas, esgotando calcinados nosso parque de diversão que traz o repique dos sinos no júbilo, crepitando a nossa fogueira de ímpeto selvagem nas alturas das suas nuvens para chover meu amor, na invasão da sua selva com todos os segredos de entrega e felicidade.

Ah jamais houvera e ofegantes usufruímos a vida e com ela nossos turbilhões mais que enlouquecidos derrubando colunas, grilhões, capitéis, pedestais, leis e limites, até alcançar o podium do grand finale a nos fartar embriagados da sidra dos nossos corpos desforrados.

Ah, jamais houvera pas de deux como devaneio do amor na noite fria de agosto, jamais houvera. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui, aqui & aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Em parte alguma sou apresentável, em toda parte sou estrangeiro — eu gostaria de abarcar tudo, e tudo me escapa. Sou infeliz... Uma vez que esta noite o lugar ainda não foi tomado, permita que eu vá me atirar de cabeça no rio... O reino da poesia é o reino da verdade. Pensamento do escritor e botânico alemão Adelbert von Chamisso (1781-1838), autor da narrativa poética Peter Schlemihls wundersame Geschichte (1814), contando a fantástica história do homem que vendeu sua sombra.

 

ALGUEM FALOU: Terra e nação, como uma esposa, devem ser conquistadas todos os dias, para que não caiam nas mãos de outra pessoa.  Nada é impossível assim que uma pessoa começa a pensar seriamente sobre isso. Tudo o que aprendi pode ser reduzido a isto: quero ser o que não sou. A maior fortuna é o amor. Pensamento do escritor estoniano Anton Hansen Tammsaare (1868-1940).

 

FILHA DA DOR - Acordei no chão da cela com um deles me chutando. Comecei a ser arrastada pelo corredor cheio de policiais e levada escada acima. Eles eram muitos. Um deles começou a falar que era meu noivo, que ia casar comigo. De repente, os outros começaram a passar a mão em mim, no meu corpo, nos meus seios, coxas – aquele monte de homens – e começaram a cantar a marcha nupcial. Quando abriram a porta, tinham montado uma sala de tortura no quartel de Ribeirão Preto, com pau de arara, choque elétrico, e aquele monte de homens gritando, me batendo. O homem que disse que ia casar comigo rasgou a minha roupa. Me jogaram água, o bombeiro me amarrou na cadeira e começou a sessão de choque elétrico praticamente a noite inteira, e eu nua, apanhando. Eram choques nos seios, no ventre, na vagina, dentro do ouvido… Era um pesadelo. Era um monte de homens, de 30 a 40 anos, todo o pessoal da Oban que tinha vindo para Ribeirão. Três dias depois fui levada para São Paulo com meus companheiros de organização. Durante a viagem, o torturador ia me assediando. Ele dizia que queria trepar comigo e que a gente ia virar presunto na estrada. Na Oban nós já chegamos apanhando, os meninos foram para um lado e eu subi para uma cela minúscula com oito mulheres. Depois voltamos para Ribeirão. Quando chegamos no quartel, foi um massacre. Era dia e noite gente caindo; os padres, a irmã Maurina Borges da Silveira… Me lembro de quando ela chegou na cela. Eu estava de bruços porque estava muito estraçalhada e pensei: ‘Meu deus, o que essa freira está fazendo aqui?’. Ela foi torturada e assediada. Eu sou testemunha da cena. O capitão Cirilo, do Exército de Pirassununga, tentando agarrá-la, passando a mão nela. A repressão aqui foi tão grande que a Igreja excomungou os dois delegados de Ribeirão, Miguel Lamano e Renato Ribeiro Soares. Não sei nem como eu fi quei viva. Tiveram de tirar a gente do quartel porque qualquer soldado se sentia no direito de ir no banheiro com a gente, assediar. Eles falavam assim: ‘Ô boneca terrorista, vamos jogar dados e fazer a fila para ver quem será o primeiro’. Relato da enfermeira e ex-militante d das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), Áurea Morretti. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

A SEMIOSFERA - [...] o espaço todo da semiosfera é interseccionado por fronteiras de diferentes níveis, ou mesmo de textos, e o espaço interno de cada uma dessas subsemiosferas tem seu próprio “eu” semiótico que é percebido como a relação de uma linguagem, grupo de textos, texto separado, até o espaço metaestrutural que os descreve, porém sempre tendo em mente que linguagens e textos estão dispostos hierarquicamente, em níveis diferentes. Essas fronteiras secionais que cruzam a semiosfera criam um sistema de vários níveis [...]. Trecho extraído da obra La semiosfera: semiótica de la cultura y del texto (Desiderio Navarro, 1996), do historiador e semioticisca russo Yuri Mikhailovich Lotman (1922-1993), autor de obras como A Delimitação dos Conceitos linguísticos e filosóficos de Estrutura (1963) e de outros trabalhos sobre poética estrutural.

 

LIVRO DO DESASSOSSEGO – [...] O coração, se pudesse pensar, pararia. [...] Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero [...] Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior [...] Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos – um poço fitando o céu [...]. Trechos extraídos da obra O livro do Desassossego (Ática, 1982), obra fragmentada de Bernardo Soares, semi-heterônico de Fernando Pessoa. Veja mais aqui e aqui.

 

O LUGAR DOS MORTOS – I - Qual é o lugar dos mortos, / têm eles como nós direito aos caminhos, / falam com palavras reais, / são o espírito da folhagem ou copas muito altas? / Construiu a Fénix um castelo para eles, / uma mesa posta para eles? / O grito de alguma ave no fogo de alguma árvore, / é este o espaço onde eles se juntam? / Talvez descansem na folha de uma era. / As suas palavras derrotadas / são o porto de folhas desfeitas, quando a noite se aproxima. II - O lugar dos mortos – / talvez seja a dobra do tecido vermelho. / Talvez eles caiam / nas suas mãos rochosas; pioram / nos tufos no mar da cor vermelha./ Têm como espelho / o corpo cinzento da jovem cega; têm como fome / no cântico dos pássaros as suas mãos de afogados. / Ou estarão reunidos sob o sicómoro ou o ácer? / Ainda não há ruido que perturbe a sua assembleia. / A deusa permanece na copa da árvore, / Ela inclina sobre eles o gomil de ouro. / E por vezes só cintila o braço da deusa na árvore / e os pássaros calam - se, outros pássaros. Poemas do poeta, ensaísta e tradutor francês Yves Bonnefoy.

 


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